Entrevista | Margarida Magina | Jornal Construir

28 Jun' 22

“Participar activamente no dia-a-dia das populações deixando algo construído” foi o que motivou Margarida Magina a entrar nesta área. Desde cedo foi chamada a participar em diferentes níveis de decisões, quer perante chefias homens ou mulheres. Um misto de “sorte” com “valorização de um pensamento, independentemente do género”, sem esquecer, é claro, a necessária resiliência e o trabalho pelo exemplo são algumas das características que destaca enquanto profissional, ainda mais numa profissão, que considera, “perdeu muito valor ao longo do tempo” e para a qual “deveriam ser tomadas medidas para a ingressão de todos os géneros”.

Quando a amostra é maior em homens, naturalmente (e ainda para mais com a dificuldade de recursos humanos actualmente) existem mais homens a ser contratados. É matemática como nos engenheiros gostamos! As contratações são lideradas por uma mulher, enquanto directora de recursos humanos, portanto por esse lado, só não temos mais mulheres realmente porque não conseguimos! Temos várias mulheres em cargos de gestão, mais uma vez, talvez não suficientemente equilibrado dado que a amostra é por si mais masculina, no entanto penso que temos vindo a fazer um trabalho importante com a nomeação de directores do sexo feminino.

O que a motivou a entrar nesta área?

Entender e resolver problemas. Participar activamente no dia-a-dia das populações deixando algo “construído” devidamente articulado com os valores naturais do nosso planeta.

Alguma vez sentiu algum tipo de discriminação?

Tive a sorte de ser chamada, desde cedo na minha carreira, a participar em diferentes níveis de decisões, quer perante chefias homens ou mulheres. Na realidade quero acreditar que não foi só sorte, mas também porque consegui construir um pensamento que foi valorizado, independentemente do género. Qualquer individuo, de qualquer
género ou idade, tem experiências vividas e contextos de educação, e outros, que levam a construir a sua personalidade, mas que também devem ser usadas para construir a sua actuação na sociedade, pessoal ou profissionalmente. Temos de saber utilizar tudo o que a vida nos vai proporcionando em prol de construir o nosso
pensamento e as nossas opiniões, para darmos o nosso contributo. Mas como em qualquer coisa que construímos, é preciso resiliência. Pode nem sempre ser o momento certo, ou até pode ser, mas a pessoa receptora não nos saber ouvir, ou nos não estarmos a saber passar a mensagem da melhor forma. Será discriminação? Talvez, mas infelizmente acho que actualmente há discriminações mais notórias, e com impactos mais críticos na nossa sociedade, e na vida das pessoas, do que a de género. Resumindo, independente da situação em que estamos é importante também acreditarmos no nosso valor, construir o nosso contributo, e procurar saber se é de valor e onde este pode ser ouvido, mas também entender onde não é, para tentar construir algo diferente, antes de nos “agarrarmos” à discriminação. E demonstrar que é possível pelo exemplo.

Que acções tem a empresa feito para captar mais mulheres para os vossos quadros?

Não temos acções especificas, existe, acima de tudo, um foco importante nos recursos humanos em equilibrar. Essencialmente porque acreditamos que a diversidade nas equipas é muito benéfica para o funcionamento em geral. Existe algo intrínseco em que tentamos construir um equilíbrio. No meu caso, por exemplo, como líder da
área de ambiente e sustentabilidade, a luta da direcção de operações é no sentido de equilibrar com elementos do sexo masculino, que tenho bastante menos oferta no mercado!

Que cargos ocupam as mulheres na vossa empresa e se tem havido, ao longo dos anos, uma tendência crescente de mulheres contratadas?

Pode dizer-se ainda que a Engenharia continua a ser um mundo de homens? Somos uma empresa com mais homens homens do que mulheres, mas não por via dos métodos de selecção, mas pela amostra.

Ainda que estejamos a caminhar no sentido de uma maior igualdade de género no seio das empresas, ainda nos deparamos com situações em que as mulheres são mais “penalizadas” na sequência de questões domésticas relacionadas com os filhos ou outras. Como lidam com estas situações?

É verdade. Acima de tudo porque a nossa sociedade, e muitas vezes as próprias mães, ainda veem a mulher como quem tem o único papel de tomar conta dos filhos e da casa. Faz parte da nossa educação. Apesar de um papel único, até determinada fase da criança, que não podem fazer por nós, os restantes podem e devem procurar
ser partilhados, sempre que possível procurando uma forma que permita não anular o papel da mulher com o papel de mãe. E isso também tem de partir da mulher. E hoje isso está a mudar muito na nossa sociedade, felizmente! Mas ainda há muito a fazer. E também aí as empresas poderão contribuir, pela forma como podem influenciar as formas de pensamento e actuação. E apenas influenciamos por mostrar um modelo de actuação diferente. Se demonstrarmos que vemos as mulheres em igualdade de género, tal como o homem, nas suas funções de pai, dando condições a ambos para que exerçam as suas diferentes funções, estamos a contribuir para uma sociedade mais equilibrada, mas também com um diferente mindset, em que ambos os géneros têm uma importância na família, maior e mais útil do que a visão em
que a mulher tomar conta da casa e o homem do trabalho e subsistência familiar. Temos de conseguir construir uma forma diferente de ver as coisas, que necessariamente e muitas vezes involuntariamente, as pessoas acabam por chamar a si sem conseguir fazer diferente.

Consideram que a situação da pandemia de Covid e/ou os confinamentos agravaram esta situação?

Exactamente pelos papeis em casa e no seio familiar estarem a alterar-se, e falando pela empresa em geral, vimos, durante a pandemia, tanto homens
como mulheres a fazer esforços enormes em conseguir articular os compromissos profissionais com os pessoais. Com vontade de não parar e alguns a parar porque se viram forçados, sem condições para cumprir com os seus compromissos pessoais, que são de extrema relevância, mas muito conscientes e genuinamente preocupados
com o impacto que teriam no funcionamento normal da sua empresa. Penso que não havia uma forma melhor ou pior, por parte dos Governos, de lidar com esta situação. Nem das empresas. Nem das pessoas. Fizemos todos o melhor. Foi uma situação extraordinária. E temos de saber lidar com situações extraordinárias. Mas sem dúvida, há que recuperar.

No vosso entender, que medidas deveria o Governo tomar para facilitar a ingressão e progressão das mulheres em carreiras como a Engenharia?

Neste momento, penso que deveriam ser tomadas medidas para ingressão de todo o tipo de géneros na Engenharia. A engenharia é uma profissão que perdeu muito valor ao longo do tempo, bem como a actividade em si, e tem uma importância crucial na construção das nossas sociedades, incluindo pela forma de pensamento que desenvolve nos engenheiros, mais pragmático e de resolução de problemáticas. Os desafios globais de todos e do planeta estão para ficar e só vão ser resolvidos
com recurso a muita engenharia. No entanto só é possível assegurar prestígio se existir um reconhecimento de que é uma actividade fundamental. Poderá partir dos governos, mas também das ordens profissionais, associações do sector e das próprias empresas, e todos nós, em construir uma visão diferente para o sector, criando acções concretas que aumentem o valor da profissão.